cafundó

17 dezembro, 2005

corpo

escrever nomedele no corpo era para trazer à superfície o que não vinha. era dar forma à vida que explodia. um dia ela escreveu e aquilo era uma estratégia de sobrevivência. só lhe restava o corpo. sabia que nao seria lido e que se fosse lido ia ser palavra estrangeira [zoï], nao ia ser entendido. mas e se ele entendesse? essa era a esperança que ela tinha, por isso desfilava nua diante dos seus olhos.

15 dezembro, 2005

passo

então cada um foi para o seu lado e nao cabia olhar pra trás.
nao cabiam olhos, cheiro, ciúme. nao cabia parar. - "corre!". mas ali nao cabia correr,
tinha de ser passo a passo, dor a dor, porque dor cabia, sempre cabe em quem ama.
só não cabia mais ter esperança.
antes ele a sentia com os olhos. não eram olhos de ver, eram de sentir. faltavam quilômetros e suas retinas esfriavam: "era ela chegando", as retinas avisavam para o cérebro e a visão só aguardava.
ela o sentia nas pernas: podia fechar os olhos e suas pernas sabiam a exata distância, o pequeno movimento, a ida e a vinda.
mas os olhos ficaram cansados e nao cabia mais olhar e as pernas paralizaram.
- "corre!" e ela nao podia correr. ela estava sem ar, sem amor, sem espaço. sem suas pernas.
e foi cada um para o seu lado,
cada qual para o seu mundo e nao cabia mais sentir com os olhos e com as pernas.

- corre!
- correr pra onde?
- pro outro lado.
- correr como?
- use os olhos.

e ela não olhou para trás, não por descabimento, mas por medo: já havia ficado cega das pernas e temeu pelo movimento dos olhos.

12 dezembro, 2005

ela

era um corpo pequeno, de caber poucas formas, mas cabia muito medo e muito vento. sim ela ventava. ela ventava muito de manhã e a tardinha. no calor ela chovia: encontro de massas. o calor era a noite, que depois da chuva gelava. e ela chovia fininho de molhar sem escorrer, de derreter árvore de açúcar e o mundo inteiro dormia quase calmo. talvez ela orvalhasse, mas aquilo era chuva mesmo, era por causa do vento que ela fazia e do calor que ele trazia.

11 dezembro, 2005

la plage



tinha sol às sete da manhã na praia do fim
tinha espaço, barulho de mar e um azul penetrável. pele.
tinha areia morna e vento frio.
tinha mar e piscinas de água quase morna na beira
tinha um céu todo azul e nuvens brancas no canto do mundo.
tinha moldura no céu.
e tinha uma saudade que cabia no mundo, na moldura,
mas nao cabia em mim
tinha um medo e uma vontade
na praia do fim tinha frio às oito
e pessoas que iam e vinham, deslocando o espaço
tinha um espaço que era sempre o mesmo, sempre outro
tinha uma mulher sentada na areia. deitada na areia sentada, sentadadeitada na areia, correndo deitada, na areia sentada
tinha uma mulher esperando. uma mulher no espaço
tinha ansiedade, tristeza, medo e vontade
e tinha um vento forte pra levar e pra trazer quase tudo.
tinha pele em arrepio. tinha sopro e arrepio.
tinha uma saudade às nove e muita claridade
tinha a mesma mulher no mesmo lugar e tudo era novo
tinha frio e medo e vontade. e tinha luz para enxergar tudo
tinha sombra pra detectar a presença
e tinha ausência sem sombra visível
tinha movimento: peixe, pedra, azul, frio, pele, espuma, vento, cabelo, saudade, pessoas flutuantes, pés descalços, vento, água quase morna, todas as cores, gaivota, sombra, lágrima, movimento, pele, sol, arrepio, azul, pegada, seda, pessoas sem pegadas. e uma mulher sentada.
tinha água
tinha sol na praia do fim às onzes da manhã
mas eu já não estava lá.

06 dezembro, 2005

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