cafundó

01 outubro, 2006

aranjuez

horas depois do cansaço ele sentou para respirar um pouco. era um lugar alto onde descansava seus pensamentos e de lá de cima via o castelo e a moça com quem quisera ter a vida. ela sem dúvida não o via. o homem sabia onde havia chegado, conhecia as pedras do castelo que conheciam muito mais do mundo. ele sabia que cansado sua vista selecionava melhor o que olhar: a mulher e o castelo. respirar era tão intenso quanto um adágio triste e intenso e ele respirava cada pedra do castelo. ele respirava o tempo, as festas, as feiras, os mendigos, o limo, a grama, as mulas, o fedor, o cheiro de pão, o cheiro do sangue, a lama, a mulher com quem quisera ter a vida. o castelo. sem dúvida ele respirava o tempo no castelo que se erguera em ruínas em seus olhos. nunca havia pensado que aquela construçao de antes de si, sem ser sua, era toda sua vida. lembrou dos gritos e das risadas das crianças, da sua infância perto do muro, o muro que era para ele mais do que uma referência espacial, era parte da sua alma. aquele muro de pedras e limos e risos e lama e lágrimas era sua alma, era lá que ela estava e era onde seu muro repousava. sua alma era como o muro. sua alma era o muro que separava o castelo do mundo.
ele sabia: nunca quisera ter o castelo, apenas a mulher que passeava perto dele e que já era sua. lá de cima o homem viu que amava a mulher, sua vida, porque ela era como as pedras do castelo. precisou subir cansado para ver sua mulher, o castelo e sua vida. já não sabia mais distinguir o que não era vida. o tempo em que olhava para o castelo era o tempo em que olhava para dentro de si, para dentro de outras vidas que já foram suas. ele nunca quis ter o castelo, nunca, ele queria a vida mais intensa que estava entre as pedras. lá de cima, viu que, quase morto, teve a vida mais intensa das pedras e ainda tinha a mulher da vida. precisou estar quase morto, porque é assim que se vê a vida.


"adágio" , do concerto de aranjuez de joaquim rodrigo, 1939. só ouvindo o adágio esse texto tem sentido. sinto muito não postá-lo também. indico a gravação de paco de lucia.

5 Comments:

  • oiee! sou eu! a martina! vim dexa um comentario pra dizer q eu passei por aki! bjss

    By Anonymous Anônimo, at 3:16 PM  

  • ahh eu vou te linkar! Bjss

    By Anonymous Anônimo, at 3:17 PM  

  • Oi Glau
    Muito lindas e delicadas suas escritas...

    assim como vc

    By Anonymous Anônimo, at 7:14 AM  

  • Hummm... estas falando de minha musica favorita. :)
    Beijos ;)

    By Blogger ghsartin, at 6:04 PM  

  • Muito bom, Glaucia !
    Beijo.

    By Blogger José, at 5:43 PM  

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