cafundó

13 junho, 2007

pedras de cezanne e pessoa

dizes-me: tu és mais alguma coisa
que uma pedara ou uma planta.
dizes-me: sentes, pensas e sabes
que pensas e sentes
então as pedras escrevem versos?
então as plantas têm idéias sobre o mundo?

sim: há diferença.
mas não é a diferença que encontras;
porque o ter consciência nao me obriga a ter teorias sobres as coisas:
só me obriga a ser consciente.

se sou mais que uma pedra ou planta? não sei.
sou diferente. não sei o que é mais ou menos.

ter consciência é mais que ter cor?
pode ser e pode nao ser.
sei que é diferente apenas.
ninguém pode provar que é mais que só diferente.
sei que a pedra é real, e que a planta existe.
sei isto porque elas existem.
sei isto porque os meus sentidos me mostram.
sei que sou real também.
sei isto porque os meus sentidos me mostram,
embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
não sei mais nada.















sim, escrevo versos, e a planta não escreve versos.
sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
e as plantas são só plantas, e não pensadores.
tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,
como que sou inferior.
mas nao digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
digo da planta, "é uma planta",
digo de mim, "sou eu"
e não digo mais nada. que mais há a dizer?

alberto caeiro


poema de fernando pessoa. in: poemas inconjuntos
imagem: paul cezanne, "rochers à l'estaque"